domingo, 27 de fevereiro de 2011

peXquisador

Fiz algumas considerações acerca das pichações e dos pichadores.

A professora Márcia comentou que o que o pichador faz é justamente questionar a estética da fachada.

Vivemos sim, desCARAdamente, em uma estética da fachada e a cidade é o local por excelência em que tal estética se revela.  O branco é o ácido botulínico que não pode revelar as periferias. É a estética da exclusão, dos (poucos) que têm e dos (muitos) que não têm. Portanto, pichador só pode existir em uma sociedade desigual, individualista e ainda não resolvida, em que alguns pertencem a cidade oficial e outros não.  

De todo modo, a exclusão que vemos é sempre a explícita, a da fachada, a dos muros.  Se pudermos qualificar a exclusão, a pior é a implícita, aquela que (quase) ninguém percebe, pois ambos compartilham dos mesmos códigos vigentes, marcando o que é certo e o que é errado, o que é bonito e o que é feio, o que é bom e o que não é e tantas outras dicotomias.

Como afirmou Pierre Bourdieu em seu texto “Efeitos de Lugar” em A Miséria do Mundo, “o espaço social encontra-se inscrito ao mesmo tempo nas estruturas espaciais e nas estruturas mentais que são, por um lado, o produto da incorporação dessas estruturas, o espaço é um dos lugares onde o poder se afirma e se exerce, e, sem dúvida, sob a forma mais sutil, a da violência simbólica como violência desapercebida: os espaços arquitetônicos, cujas injunções mudas dirigem-se diretamente ao corpo, obtendo dele, com a mesma segurança que a etiqueta das sociedades da corte, a reverência, o respeito que nasce do distanciamento ou, melhor, do estar longe, à distância respeitosa, são, sem dúvida, os componentes mais importantes, em razão da sua invisibilidade, da simbólica do poder e dos efeitos completamente reais do poder simbólico”.

Assim, o pichador é sempre o outro, aquele que está fora da cidade oficial, que está nos subúrbios e que, ao mesmo tempo em que questiona a cidade oficial com a sua pichação, reifica esta mesma ordem social com o spray, que por sua vez, conclama a ação do poder público.

Já o poder público, que deveria estar a serviço do que de fato é público, está a serviço, quase sempre, do que é privado, e este quase sempre se plasma naquele, constituindo o que Raymundo Faoro chamou de “os donos do poder”, ou seja, a inserção do privado no público e vice-versa.  Quanto a isto, basta atentarmos para os vestígios do passado no presente quando observamos ações violentas do Estado no controle da ordem pública (como por exemplo, das investiduras policiais contra negros que são quase sempre suspeitos ou quando o governo constrói uma rampa antimendigo, ou ainda quando constrói muros - que serão pichados - em uma praça, evitando pessoas indesejadas).  O pichador questiona a (na) cidade o que o peXquisador questiona na academia.

Um outro aspecto que me parece relevante é o fato de que os pichadores são, em sua maioria, jovens.  Estes, como categoria criada em nossa sociedade capitalista, corresponde a um período que é marcado pelo extrapolar e pela transgressão. Aliás, é permitido até o oposto: “nada fazer”. Em alguns contextos, o adolescente é considerado criança, em outros, adulto.

Tenho a impressão que eles nem gostem tanto da pichação em si. O mais importante é a proibição do ato.  É a prática proibitiva que importa para o pichador, talvez ele nem se preocupe com o resultado. Some-se a isto um culto a virilidade dado pela cultura atual e encontraremos pichações mais ousadas, em prédios mais altos.

É neste jogo dado a priori pela sociedade, do proibido em determinados momentos e do permitido em outros, que o pichador realiza a dialética da sua identidade, que ele sente o pertencimento a cidade = sociedade, que foi e continua sendo marcada pela exclusão.

Em suma, todo pixar é dor...

Marcos Chiesa

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