domingo, 27 de fevereiro de 2011

Reflexões sobre a 1ª aula (17 de fevereiro de 2011)

 Por Vinicius Tavano
No dia 17 de fevereiro de 2011 aconteceu a aula inaugural da disciplina de Teoria e Critica das Artes, ministrada pela professora Drª Marcia T. para a turma ingressante do programa de Pós graduação em Educação, Arte e História da Cultura – Mestrado. Na aula em questão a docente apresentou um conceito para mim até então desconhecido, conceito hegeliano de que a “arte morreu”. No meu entendimento, não ocorreu que a partir de um determinado ponto da história aquilo que era arte deixou de ser considerada como tal, mas que , segundo Luis Fernando Encina*
...o que ele concebe é apenas o movimento da perda de sentido da intuição estética imediata, entendida como lugar de plenitude ou de satisfação do espírito, substituída pelas formas puras do entendimento.[1]
O debate surgido após as considerações iniciais de nossa professora estava muito instigante e dele surgiram outras discussões paralelas, e foi numa dessas colocações que originou um assunto que foi produto de muitas reflexões de minha parte e gostaria de aproveitar esse espaço para compartilhar com os leitores desse blog as minhas considerações sobre o tema.
O assunto em questão é o debate surgido quando se levantou o tema da pixação como forma de arte. Pois bem, o assunto já causa polêmica com a própria grafia da palavra, onde encontramos registros gráficos com X e com CH.
Vamos exemplificar dois casos: Alexandre Barbosa Pereira[2] em seu artigo As marcas da cidade: a dinâmica da pixação em São Paulo, publicado na Revista Lua Nova, utiliza a grafia com X; e explica
Adoto aqui a grafia da palavra pixação, com “x”, e não com “ch”, conforme rege a ortografia oficial, para respeitar o modo como os pixadores escrevem o termo que designa sua prática. Esse modo particular de grafar é apontado por alguns pixadores como uma maneira de diferenciar-se do sentido comum atribuído à norma culta da língua: pichação. “Pixar” seria diferente de “pichar”, pois este último termo designaria qualquer intervenção escrita na paisagem urbana, enquanto o primeiro remeteria às práticas desses jovens que deixam inscrições grafadas de forma estilizada no espaço urbano.[3]

Já Davi da costa Souza, em sua dissertação de mestrado - Pichação carioca: etnografia e uma proposta de entendimento - pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, utiliza o termo como na ortografia oficial, ou seja com CH.
Em respeito a esses artistas, também vou pedir licença a norma oficial e tratar o tema da forma que os interessados a tratam, ou seja, utilizando a grafia com X.
Acredito que a pixação como manifestação artística é indiscutível, embora não tenhamos condição de definir o que é arte, porém pensemos que os pichadores encontraram uma maneira bastante criativa de expressão. O que venho a discutir é qual é o preço dessa manifestação e quais são suas consequências para os artistas e para os que estão envolvidos nesta manifestação de forma direta e indireta.
Um dos pontos abordados durante a aula é que a pixação é uma forma de dar voz a uma classe oprimida, porém, se fizermos uma pesquisa sobre o perfil desses artistas, veremos que boa parte deles não pertencem a uma classe social oprimida por um sistema que os cala, tendo na pixação a única forma de manifestação contra um estado[4] opressor, comprometido com o bem estar da classe burguesa. Até porque, um estado que tributa seus contribuintes em 40% pode ser considerado opressor também pela burguesia.
No livro Pichação: O Simbolismo Estético de Movimento Social, Paulo Ernesto Dias Rozena[5]
Aponta o perfil dos pichadores da cidade do Rio de Janeiro

“Temos no Rio de Janeiro cerca de 10.000 pichadores de rua, pais, filhos, esposas e irmãos. Em alguns casos, famílias inteiras. Pessoas que variam de idade de 10 a 51 anos e vão desde profissionais liberais a funcionários públicos os pichadores são pessoas na maioria dos casos politizadas e não meninos inconsequentes.”[6]
O repórter Adriano Duarte da revista Pioneiro[7], de Caxias do Sul publicou uma ampla reportagem sobre o tema, onde aponta que o perfil dos pixadores são jovens de todas as classes sociais, eles se juntam em grupo que variam de 5 a 30 pessoas e alguns estão envolvidos em atividades criminosas, como o trafico de drogas e o roubo a automóveis. Normalmente os lideres desses grupos são estudantes do ensino médio ou universitários. Em geral são trabalhadores, já que a pratica da atividade não sai barata, uma vez que para registrar sua manifestação, o pixador necessita de tinta látex ou tinta spray, como querem deixar seus registros em evidencia, precisam utilizar muita tinta, e isso encarece a atividade.
Refletindo sobre as informações acima expressas, questiono se esses artistas fazem mesmo parte de uma classe socialmente oprimida e que a pixação em espaços privados e públicos seja a única maneira de expressão que eles apresentam.
Acredito que o maior problema na manifestação dos pixadores esta no fato de eles invadirem propriedades privadas sem o consentimento de seus proprietários para registrar suas manifestações, e isso nos remete a outro ponto levantado durante a aula: “que direito o proprietário tem de ter um muro branquinho e eu, pixador, não posso fazer intervenções, não posso me manifestar, tenho que ficar calado”. Primeiramente não haveria problema algum em o pixador se manifestar em um muro branquinho, desde que o proprietário daquele muro branquinho estivesse autorizando a pratica; segundo, de acordo com estudos feitos e apontados neste artigo, vimos que os pixadores, ou pelo menos boa parte deles, não pertencem a essa classe socialmente oprimida e ansiosa por manifestar sua opinião e suas angustias, pertencem sim a mesma classe daquele que tem um muro branquinho. Além do mais, o pixador, quando sai as ruas para registrar suas manifestações, não faz uma analise sociológica do dono do muro branquinho, para saber se ele está do lado do opressor ou do oprimido.
Durante a aula mais um ponto que serviu de reflexão e me estimulou a escrever este artigo, relaciona-se ao direito democrático de manifestação dos pixadores, ou seja, a democracia seria usada como embasamento teórico pra a prática da pixação. Lembramos aqui que Democracia é a ditadura da maioria e se fizermos um senso, perguntando se somos a favor ou contra a pixação, é bem provável que a maioria de nós responderia que somos contra, portanto, nem esse direito democrático esses artistas teriam, já que suas praticas não são endossadas pela maioria da população, agora, se falarmos que os pichadores tem o direito libertário de pixar muros e fachadas, ai poderemos fazer outra reflexão sobre o assunto.
O libertarianismo é uma filosofia política e social que prega a liberdade individual até suas últimas consequências, essa teoria foi elaborada por diversos pensadores durante a segunda metade do século XIX e o século XX como o francês Pierre Joseph Proudhon, pai do libertarianismo mutualista, Ludwig Von Mises, pai do anarco capitalismo, dentre outros. Não existe uma única linha de pensamento dentro do libertarianismo, inclusive, seus adeptos divergem em muitos pontos (anarco coletivismo, algorismo, mutualismo, minarquismo, anarco capitalismo), mas convergem no que se trata da liberdade individual, diferente do democrata, o libertário se sente no direito de praticar a sua liberdade mesmo que sua prática seja socialmente repudiada, em razão disso, o libertário, em linhas gerais são favoráveis a liberalização das drogas, de qualquer forma de casamento civil e da total liberdade de imprensa, manifestação e expressão, segundo os libertários não existe crime sem vitima.
Partindo do principio libertário, os pixadores teriam a liberdade de pixar onde bem entendessem, afinal de contas, estariam apenas se manifestando e expressando suas opiniões e estéticas artísticas, o problema é que mesmo para os libertários a liberdade individual tem suas limitações. Para os mutualistas a liberdade do individuo não pode se sobrepor a liberdade de outrem, ou seja, sua liberdade termina quando começa a liberdade do outro. Para os anarco capitalistas, sua liberdade é inviolável dentro de sua propriedade, porém, na propriedade alheia, segue-se a regra do outro proprietário, ambos creem na legitima defesa, no principio da não agressão e que não há crime quando não há vitima.
Observando os pichadores pelo prisma libertário, ainda assim eles não teriam o direito de pixar sem a autorização dos proprietários, isso viola o direito absoluto de propriedade, sob a ótica do anarco capitalista e invade a liberdade alheia (daqueles que não gostam da manifestação artística, ou do proprietário do muro branquinho) segundo a ótica dos mutualistas, ambos se sentiriam vitimas das manifestações artísticas dos pichadores, caso não concordassem com elas.
Essas são as minhas colocações sobre um polêmico tema que não se encerra aqui, e sei que com o passar dos tempos, nossas posições tendem a se transformar, assim como tudo neste mundo se transforma, inclusive nossas ideias e opiniões.
Vinicius Tavano

[1]ENCINA, L.F.C DISSOLUÇÃO E INDETERMINAÇÃO NA LITERATURA AMERICANA DO PÓS-GUERRA, IN: Kínesis, Vol. II, n° 04, Dezembro-2010, p. 95.

[2]Doutorando em Antropologia Social pelo PPGAS/USP e pesquisador do NAU/USP

[3]Lua Nova, São Paulo, 79: 143, 2010

[4] Faço aqui o uso da palavra estado em minúsculo, compactuando com alguns meios de imprensa que utilizam esta forma de expressão do termo.
[5].Paulo Ernesto Dias Rozena é bombeiro militar do Exército há 18 anos, graduado como sargento do BM, é também técnico em prótese dentária e cursou História na Faculdade Moacyr Sreder Bastos. Como trabalho final da faculdade de História, Paulo apresentou a monografia: Pichação – O Simbolismo Estético de um Movimento Social. A monografia deu origem ao livro Pichação: O Simbolismo Estético de Movimento Social.
[6].Jornal Folha do Centro – Rio Edição N° 166 - Julho de 2010 pagina 3
[7] 07 de novembro de 2009 nº 10.578, seção Vandalismo, p.16 a 18.

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