segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sujeito na Tela

MACHADO, Arlindo. O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no
ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2007, 250p.
Arlindo Machado, doutor em Comunicação e professor do Programa de Pós-graduação
em Comunicação e Semiótica da PUC/SP e do Departamento de Cinema, Rádio e
Televisão da Escola de Comunicação e Arte (ECA/USP), tem dedicado suas pesquisas ao
universo das “imagens técnicas”, ou seja, imagens produzidas por meio de mediações
tecnológicas diversas, tais como a fotografia, o cinema, o vídeo e as atuais mídias
digitais e telemáticas. No livro O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e
no ciberespaço (2007), como o próprio nome sugere, Arlindo Machado traça reflexões
sobre o sujeito a partir das teorias da enunciação cinematográfica e das implicações na
subjetividade desencadeada pelas novas mídias digitais.
O livro é divido em duas partes, cada uma subdividida em capítulos. Na
primeira parte, “ O Sujeito no cinema”, a partir da aná lise de filmes clássicos como
Cidadão Kane (Orson Wlles, 1941), A dama do Lago (Robert Montgomery, 1946), Janela
Indiscreta (Alfred Hitchocock, 1954), No tempo das diligências (John Ford, 1939),
dentre outros, o autor apresenta, em 10 capítulos, diferentes espécies de sujeitos
cinematográficos com base em reflexões datadas das décadas de 1970 e 1980,
conhecidas mais genericamente como a teoria da enunciação cinematográfica.
Naqueles períodos, o processo de recepção do filme e o modo como a posição, a
subjetividade e os afetos do espectador eram trabalhados ou “programados” no
cinema, mereceram uma atenção maior por parte da crítica, a ponto de, segundo
Machado, “esses temas terem se constituído no foco de atenção privilegiado tanto da
teoria dita estruturalista ou semioticista quanto das aná lises mais ‘engajadas’ nas
várias perspectivas” (p.125). Nessas abordagens, explica o autor, o aparato tecnológico
do cinema, bem como a modelação do imaginário, forjada por seus produtos, foram
submetidos a uma intensa investigação, com o objetivo de verificar como o cinema
clássico “trabalha para interpelar o seu espectador enquanto sujeito” (p. 125), ou
como esse cinema “condiciona o seu público a identificar-se com e através das posições
de subjetividade construídas pelo filme” (p. 125).
No capítulo 8 desta primeira Parte, intitulado “Identificação, projeção,
espelho”, Machado define cinema como sendo “uma arte da multiplicação do olhar e da
audição, que pulveriza olhos e ouvidos no espaço para construir com eles, entre eles,

FEITOSA, Sara Alves
Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 18, p. 1-4, janeiro/maio 2008.
uma ‘sintaxe’, [...] uma intrincada rede de relações” (p.95). Sobre as teorias
convencionais da identificação, ele aponta falhas à medida que essas “acreditam
ingenuamente que o espectador de cinema faça projetar seu ego em uma ou duas
personagens relevantes do filme [...] e mantenha essa identificação do começo ao fim
da película” (p. 100). No capítulo 10, A crise da enunciação, Arlindo Machado resgata
as principais causas do envelhecimento da teoria da enunciação cinematográfica, entre
elas o fato de serem teorias a-históricas, pois nelas as aná lises fílmicas eram feitas
independentemente do seu contexto social e político (p.126) . Também explica que
essa teoria perde sua força, pois “a relação entre o cinema e seu espectador é
reduzida, nas teorias da enunciação, à condição de um evento determinado
anteriormente pelo ‘texto’ fílmico, à revelia inclusive do contexto histórico da
recepção e do espectador real, considerado passivo e programado” (p.127).
Na segunda parte do livro, “ O sujeito no ciberespaço”, Arlindo Machado
relaciona, em nove capítulos, a crise das teorias da enunciação cinematográfica ao
surgimento das novas mídias digitais. Segundo o autor, o advento dos meios póscinematográficos
“redirecionam a indagação sobre o sujeito e nos colocam diante de
novos problemas a ser enfrentados” (p.133). Mas, é bom que se diga, o autor trabalha
na perspectiva do cinema como uma espécie de referência fundadora de todo o
audiovisual, inclusive no ciberespaço.
É no início dos anos 1980 que há uma mudança no cenário no que diz respeito
ao mercado audiovisual; os meios pós-cinematográficos (vídeo e televisão) assumem a
hegemonia e posteriormente, como nos explica Machado, o próprio cinema passa a ser
produzido já não mais prioritariamente para a sala escura, mas para a televisão e para
os mercados de videocassete, laserdisc e DVD. Há aí o que o autor denomina de
mudança de estatuto do dispositivo, do texto e do espectador. Isso porque “a
programação de televisão, mesmo a de caráter narrativo é seriada, fragmentada,
interrompida a todo o momento, e não conta com efeitos de continuidade tão
rigidamente estabelecidos como no cinema” (p.134). Além disso, aponta o autor, o
espectador de posse do controle-remoto introduz uma nova descontinuidade através do
zapping.
Embora vivamos numa sociedade cada vez mais interligada por redes e pelo
ciberespaço, em muitos aspectos Machado chama a atenção para a existência de
poucas reflexões relacionadas ao modo como a subjetividade é construída a partir dos
meios pós-cinema. Apesar do título do livro criar a expectativa da apresentação de uma
teoria da enunciação no ciberespaço, essa promessa não se cumpre. No entanto, isso
não chega a comprometer a validade de sua leitura. É exatamente preocupado com

O sujeito na tela
Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 18, p. 1-4, janeiro/maio 2008.
esse quase vazio teórico que o autor traça um panorama dos textos já produzidos até
aqui que têm como foco o ciberespaço, o texto nas novas mídias e seu espectador. A
partir de autores como Edmond Couchot; Janet Murray; Mark Hansen; Siegfried
Zielinski, dentre outros, Machado discute a automatização do sujeito; a imersão em
espaços virtuais; o corpo como interface entre o sujeito, a cultura e a natureza; a
metáfora platônica da caverna e as novas subjetividades originadas nas mídias digitais.
Sobre o novo sujeito implicado nos dispositivos de realidade virtual, Machado é
enfático ao afirmar que esse é “agora um sujeito agenciador, um sujeito que dialoga,
que interage com as imagens (com sons e com estímulos táteis)” (p.195). Nesse sentido
é que aponta uma diferença fundamental entre a cave digital e a caverna de Platão:
“os ‘prisioneiros’ da realidade virtual não estão acorrentados nos seus lugares nem no
sentido literal, nem no sentido metafórico” (p.195).
“O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço” (2007),
assim, é uma referência obrigatória por pelo menos duas razões: a primeira, pelo
resgate que faz da teoria da enunciação cinematográfica e das motivações que
causaram seu envelhecimento, intimamente relacionadas às mudanças provocadas pela
percepção do lugar do receptor instituída pelos estudos culturais; a segunda porque o
livro de Arlindo Machado se constitui num importante roteiro de estudo para aqueles
que dedicam suas investigações às novas mídias e às novas subjetividades que implicam
o surgimento do ciberespaço.
Renata

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