Foi com muita delicadeza e respeito que o artista plástico Vik Muniz entrou no Jardim Gramacho e trouxe uma proposta inovadora para uma gente simples: uma idéia extraordinária. Com imagens singelas Vik constrói uma obra artística criada através do próprio lixo selecionado pela associação dos catadores de material reciclável.

ver” urubus voando sobre montanhas de lixo e mulheres sentindo orgulho de serem catadoras de material reciclável há mais de 20 anos. Sem romantismo, com realismo, pois, ninguém tirou ninguém da miséria, ninguém realizou o sonho de ninguém.
Pornografia da Miséria e urubus? Nunca mais!
WASTELAND,(...) o título original do documentário, sobre a arte de Vik Muniz, poderia ter ido profundamente à crueza das montanhas de lixo e fogo espontâneo causado por gazes de lixões. Crianças chorando, pneus em chamas. Mais miséria. Entardecer. Urubus. Moscas, ratos e cachorros. A pornografia da miséria no seu gênero mais cru estava ali com todos seus elementos em seu universo pleno. As lentes frenéticas poderiam sim, capturar lágrimas e moscas, urubus e tristeza. Pobreza e restos de comida, crianças , abandono e um pitada de falta de esperança. Enfim, os ingredientes para as piores (ou melhores) cenas de miséria em lixo na Waste Land – terra do lixo – estavam lá. Não foram usadas e o foco na dignidade de quem vive ali foi devidamente respeitado. A arte foi o centro da atenção, o lixo foi coadjuvante. Pura arte em construção.
Tião (Presidente da Associação de Catadores do Jardim Gramacho), destaca-se na linguagem solta e perspicaz. Tião costura o documentário com a história que dá o inicio e o fim desta trama. Ele condensa a paixão de todos os catadores envolvidos na arte de Vik. Arte que durante o documentário transforma e seduz a comunidade.
Ao demonstrar interesse e curiosidade em ler Maquiavel e Nietzsche, Tião é convidado para posar na releitura da famosa obra do revolucionário Murat na banheira, de Jaccques-Louis David.
A descoberta do Estranho
O envolvimento da comunidade começa neste momento, quando outras pessoas são fotografadas e começam a ser “tratadas” como personalidades no processo criativo de Vik Muniz. Ele envolve toda a comunidade promovendo um mutirão sem explicar exatamente o que iria acontecer. Aos poucos, quando a montagem da primeira figura começa a ganhar forma, o grupo se envolve mais e mais no universo do enorme galpão criado pela equipe e percebe o que está sendo executado.
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Vik Muniz – obra com a foto de Tião. |
como arte. Então o catador torna-se mais do que é. O lixo simples, torna-se todo ele, o que só seria em exceção: um objeto valioso. E nesse trabalho, o trabalhador vai garimpando partes de si aparentemente improváveis nesse universo. Os invisíveis vêm à luz, como às vezes coisas brilham no meio do escuro do grosso do lixo.
A sinergia criada entre Vik e a Associação dos Catadores é impressionante e o documentário caminha de maneira decisiva para esse encontro, entre os laços cada vez mais próximos e um artista cada vez mais seguro de seu trabalho.
Vik Muniz – obra com a foto de Tião.
Assim, a principal parte de Lixo Extraordinário é envolvente e a Arte passa a ser personagem, agente de transformação. Arte transforma? - “ Fui eu que fiz” . Amarrando cenas e construção das enormes imagens criadas pela comunidade sob a direção de Vik, os depoimentos marcam e provam as mudanças geradas na valorização de cada um com frases como: “nossa, eu tô linda” ; “ isso eu que fiz”; “ esse sou eu” .
Em O que vemos, o que nos olha, Didi-Huberman tem muito a iluminar nosso olhar para esta reflexão da obra de Vik Muniz. Didi- Huberman analisa de que modo o que nos olha,de forma constante acaba retornando no que acreditamos apenas ver. A arte é algo que se vê, se dá simplesmente a ver, e, por isso mesmo, impõe sua específica presença.
Se de certo modo, Vik Muniz nos impele a voltar o olhar novamente para onde aparentemente não há nada a ver ( uma montanha de lixo), catadores anônimos ou um cubo, não cessa de dialogar e verificar que um cubo é mais que um cubo e neste sentido, uma comunidade de catadores de material reciclado se vê diferente a partir da própria obra de arte. (...) Ao mesmo tempo, a obra nos olha, pelo olhar dos retratados e pela condição paradoxal que explicita, na riqueza e na pureza do que antes era lixo.
"Lixo Extraordinário" é certamente um dos mais brilhantes documentários do ano . Críticas ácidas comentam que o artista aparece “feliz em excesso”. Junte um monte de lixo, uma comunidade de catadores de lixo, muita criatividade, gente trabalhando em um projeto maravilhoso para criar o que você mais gosta na vida. Ficaria feliz, extremamente feliz, ou pouco feliz?
Waste Land. Título original para gringo ler é extraordinário, pois vai além do cinema: as imagens estão eternizadas em telas marcantes e espalhadas pelo mundo.
Mônica Borja Bonilha Moraes
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