terça-feira, 3 de maio de 2011

Filosofia da caixa preta - Flusser

Lu Deus

A Marcia sugeriu que eu compartilhasse o resumo deste texto, para a próxima aula, já que o livro encontra-se esgotado em uma editora e muito difícil de ser encontrado em outra. 


FILOSOFIA DA CAIXA PRETA 

Texto de Claudia Trevisan Fraga 
* Mestranda do Programa de Pós-Graduação Comunicação e Semiótica na PUC-SP 

 FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985. 


O percurso das imagens e dos textos 
  
 Vilém Flusser introduz um pensamento onde a sociedade pós-industrial passa a 
viver alienadamente em função dos aparelhos. A alienação do homem nada mais é 
do que a sua programação em função dos aparelhos, onde o próprio homem pensa 
programá-los para viver em função de uma liberdade sonhada, mas inexistente.  

Devido à facilidade da manipulação, os aparelhos parecem funcionar em 
função do homem. Devido à sua complexidade, parece que o homem 
funciona em função dos aparelhos. Na realidade, homem e aparelho se co- 
implicam, e vão formar um amarrado de funcionamento: a máquina funciona 
em função do fotógrafo, se, e somente se, este funcionar em função da 
máquina. (Flusser, 1982)  

 Ora, quando o homem deixa de ser o trabalhador que faz uso dos instrumentos 
com intenção de modificar o mundo e passa a ser o funcionário que vive em função 
dos aparelhos pensando se tornar livre do trabalho, ele nada mais faz, do que 
pensar que o aparelho lhe possibilita o “tempo livre”. E vai assim, em busca do 
entretenimento que também é gerado a partir de aparelhos. Um constante 
entorpecimento dos sentidos e dos pensamentos. 
 Quando se fala da alienação do homem em relação aos seus próprios 
instrumentos, pode-se dizer o mesmo no que tange às imagens: elas são também 
instrumentos que o orientam no mundo. O seu propósito era direcionar o homem no 
mundo, mas o homem deixou de “consultá-la” e passou a viver em função dela, 
idolatrando-a. Para combater a idolatria das imagens cria-se a escrita linear que tem 
o papel de explicá-las. Ocorre que, para explicá-las se faz necessário o emprego de 
conceitos, que nada mais são do que idéias. Tradução de cenas em processo. 
Inicia-se a consciência histórica e com ela uma nova crise: a textolatria. Gerando um 
esvaziamento dos conceitos os textos se tornam supérfluos. 
 No entanto, a relação texto-imagem gera outra crise. Os textos tendem a 
esconder as imagens tornando-as abstratas, e o homem passa a ser incapaz de 
decifrar textos. Incapaz, porque os textos também são mediações entre homem e 
imagem, assim como a imagem é mediação entre homem e mundo. Essa nova crise 
traz uma outra possibilidade: a de superar tanto a crise das imagens que 
precederam a dos textos, tanto quanto a crise dos textos que sucederam a das 
imagens. Isso se dá pela introdução dos aparelhos no mundo que geram as imagens 
técnicas. “Elas imaginam textos que concebem imagens que imaginam o mundo” 
(1985, p. 19). 
 A partir daí, Flusser passa a verificar o funcionamento das nossas sociedades 
pós-históricas, ou seja, das nossas sociedades marcadas pelo colapso dos textos e 
pela hegemonia das imagens. 

O aparelho e suas implicações 
  
 O aparelho fotográfico é definido pelo autor como caixa preta. Um sistema 
complexo que talvez, nunca será totalmente penetrado. Os fotógrafos são 
funcionários desses aparelhos, e estes, funcionam através de seus programas aptos 
a gerarem imagens técnicas.  

Aparelhos não trabalham. Sua intenção não é a de ‘modificar o mundo’. 
Visam modificar a vida dos homens [...] Eles simulam o pensamento 
humano, graças às teorias científicas. [...] São brinquedos, e brinquedos não 
necessitam de trabalhadores e sim de funcionários. (1985, p.28) 

 O funcionário lida apenas com o input e o output das caixas pretas. Ele sabe que 
para manipulá-las deve-se clicar no botão para que o dispositivo cuspa as imagens 
desejadas. Ao construir sua cena, ele acredita possuir certa liberdade em relação 
aos aparelhos, pois ele elege as categorias dentre as quais estão disponíveis no 
sistema, aquelas que lhe parecem mais adequadas. Essa idéia de liberdade não 
ocorre de fato, pois sua intenção já está inscrita dentro das possibilidades que o 
próprio aparelho gera. Seus gestos, portanto, são técnicos. Ele só fotografa o que é 
fotografável. Mas nem por isso o fotógrafo, em especial o experimental, deve deixar 
de sentir a máquina em suas mãos, olhar ao seu redor e se convencer de que é 
possível manipulá-la em seu favor. Brincar na relação fotógrafo-aparelho. O 
fotógrafo visa a eternizar-se através de suas imagens, e o aparelho visa a programar 
a sociedade que, por intermédio das imagens, gera um comportamento que lhe 
permita o seu constante aprimoramento. Para Flusser, “enquanto não existir crítica 
fotográfica que revele essa ambigüidade do código fotográfico, a intenção do 
aparelho prevalecerá sobre a intenção humana” (1985, p. 49)  
 A fotografia enquanto objeto não possui valor algum. O valor está na informação 
contida na imagem que, por sua vez, é distribuída pelos meios aos quais elas são 
inseridas. Sejam eles jornais, folhetos, obra de arte e outros. Assim, as imagens 
serão sempre ‘eternas’. Jamais será gasta a informação produzida, por ser 
eternamente copiável. Porém, não se pode ocultar que os meios de distribuição 
também são aparelhos. Aparelhos que funcionam subordinados a outros aparelhos. 
Um sistema hierárquico sem a possível visualização de quem está no comando. 
Funcionam automaticamente, programaticamente, pois o seu propósito está em se 
tornar independente do homem, para que esse funcione dependente dos aparelhos. 
 “Aparelhos, processos e suportes decorrentes das novas tecnologias interferem 
em nossos sistemas de vida e de pensamento, em nossa capacidade imaginativa e 
em nossas formas de percepção do mundo” (Machado, 2001, p. 55). Eis que urge a 
conscientização do homem no que tange à sua liberdade. Viver em função dos 
aparelhos é continuar a viver sobre a superfície de caixas pretas, obscurecidos pelo 
enfraquecimento dos sentidos. Conquistar a liberdade é conscientizar-se das 
estruturas que regem as imagens, as informações, os programas e os aparelhos. 
Flusser diz que “a tarefa da filosofia da fotografia é dirigir a questão da liberdade aos 
fotógrafos. [...] Filosofia urgente por ser ela, talvez, a única revolução ainda possível” 
(2001, p. 83 - 84) 



Filosofia da caixa preta e a comunicação 
  
 A comunicação é um processo complexo que trata da conexão, informação e 
vínculo. Ela “começa muito antes dos meios da comunicação de massa, muito antes 
da imprensa, do rádio, da televisão. Antes mesmo da invenção da escrita” (Baitello 
jr, 2005, p. 31). Para Harry Pross, tais processos comunicativos – não importando 
quantos aparelhos sejam usados – começam no corpo e terminam no corpo. Eles 
acontecem “por meio de inúmeros vínculos, inúmeros canais, inúmeras relações, 
conexões e linguagens”. (2005, p. 32) Logo, vemos que a questão da comunicação 
não é somente anterior ao conceito reducionista de mídias, como também demanda 
uma revisão. 
 Para tanto, as questões que rondam as ciências da comunicação e os processos 
comunicativos ainda se encontram na produção tecnicista. Desenvolveram-se 
máquinas e técnicas para produzir uma ‘melhor’ comunicação, não é por acaso que 
as primeiras teorias da comunicação eram antes de tudo teorias matemáticas da 
comunicação. A evolução tecnológica não cessa. Os estudiosos da comunicação na 
atualidade pensam nos suportes que a geram, ou seja, na mídia (meio), o que está 
entre uma coisa e outra. E as relações humanas como princípios da comunicação 
deixaram de ser pensadas. Assim, os vínculos dados nas trocas entre corpos e 
estabelecidos desde o nascimento de um bebê, ou ainda, durante o período de 
gestação tornam-se deficitários. É a sua ausência que transforma a comunicação 
num processo reducionista. E a informação também se reduz a um fim único: a de 
atribuir função, utilidade. Eis que, é no funcionalismo que as ciências da 
comunicação se perdem.  
 Baitello Jr., no livro A era da iconofagia diz que “os espaços do aconchego, da 
proteção e do acolhimento ficam inabitáveis por estarem perfurados e permitirem a 
entrada invasiva do ‘furacão da mídia’” (p. 48). Doravante, a proximidade provinda 
das relações de interação entre os homens provoca o distanciamento entre eles em 
função da mídia, em função dos aparelhos geradores da mídia. E os sentidos e as 
percepções se esvaem. Retoma-se, então, a idéia apresentada por Flusser, onde os 
aparelhos manipulam os homens (funcionários), que pensam manipular os 
aparelhos. Onde há rompimento das interações humanas há um rompimento do ato 
de pensar e de sentir. 
 O que cabe às ciências da comunicação investigar? A resposta está diretamente 
ligada à crise da visibilidade no mundo, conseqüência direta dos aparelhos que 
permitiram uma reprodutibilidade técnica da imagem. Uma visão, que de tão 
exagerada, institui a cegueira. A visão é um sentido de distância, ao contrário de 
outros sentidos, por exemplo, do tato, que é de proximidade. A visão, portanto, não 
pede presença física, já os sentidos de proximidade pedem a presença física da 
mídia primária, o corpo. E enquanto o privilégio e o valor suporem as imagens 
produzidas por aparelhos, e só por eles, distribuídas através das mídias (mídias 
terceárias) como a internet, televisão, jornais e outros, continuaremos a encarar, 
senão erroneamente, a comunicação, com certeza, renegando uma parte que 
precisamente foi esquecida até então.  
 Filosofia da caixa preta traz aos seus leitores e pesquisadores um desconforto 
concernente às questões da automaticidade dos homens. Desconforto esse 
apontado por Maria Lília Leão – divulgadora dos trabalhos do autor – como urgente 
para a transformação e aprimoramento humano: “Flusser sempre faz pensar. E 
pensar dói” (Brill, 1986). Sobretudo, o ensaio trata de sua influência direta no que 
tange a comunicação; pois de certo modo, se a comunicação funcionalista visa, 
obviamente, apenas a sua função, não somos outra coisa senão funcionários deste 
grande aparelho.  
 É imprescindível a retomada dos sentidos como conjunto de vínculos, com suas 
características históricas, políticas, sociais, antropológicas e psicológicas para 
desautomatizar e desprogramar o homem, para que ele finalmente, possa melhor 
compreender as estreitas vias da comunicação que Flusser denuncia e critica 
veemente. As imagens técnicas oriundas de seus aparelhos carecem de serem 
encaradas não como problemas técnicos de seu suporte, e sim da própria ontologia 
das imagens. Por este viés, Flusser é fundamental para repensar os valores 
inseridos em tais imagens, e o que elas fazem com quem as produz e as consome.  


ABRAÇO A TODOS, LU

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