sexta-feira, 20 de maio de 2011

PROFESSORES, VOLTEM À NORMALIDADE

PROFESSORES, VOLTEM À NORMALIDADE

“Artistas podem e devem fugir da norma. Já os professores e linguistas têm de aderir a ela, como meros funcionários da língua que são.” Ruy Castro – jornalista, 63 anos, escritor. Obras: "O Anjo Pornográfico" (a vida de Nelson Rodrigues), "Estrela Solitária" (sobre Garrincha) e "Carmen" (sobre Carmen Miranda), e de livros de reconstituição histórica, como "Chega de Saudade" (sobre a Bossa nova) e "Ela é Carioca" (sobre o bairro de Ipanema, no Rio).

De acordo com artigo publicado na Folha (íntegra abaixo), existem duas categorias de cidadãos. Aqueles que podem transgredir e aqueles limitados à condição de funcionários dos aparelhos culturais. Para estes, nada de branquear o obscuro mundo normativo. Os detentores do saber clamam: professores, voltem à normalidade! Estou em dúvida: não sei se Ruy Castro abusou do “uísque” (me dou o direito de “aportuguesar” – que ele não me leia); traiu a própria imagem, ao revelar sua prepotência de “artista” (como escritor – não como jornalista – ele pode ser um transgressor), ou tentou ser irônico.  

PS: Ruy Castro esqueceu de esclarecer à “vítima”, neste caso o leitor, que Guimarães Rosa, Adoniran Barbosa e os outros citados transgrediram a partir da convivência com a “língua dos normais”. Acredito que essa seria uma boa discussão.

Texto publicado pela Folha de S. Paulo

Meros funcionários

RIO DE JANEIRO - Certo livro didático está na berlinda por propor que as pessoas possam fugir da norma culta da língua portuguesa e dizer "Os livro" e "Nós pega os peixe". De fato, as normas existem para ser transgredidas -mas por quem de direito. Eis alguns que fizeram isto no romance, na música popular e na poesia. E o fizeram muito bem.
Guimarães Rosa reinventou a língua criando palavras como "ensimesmudo", "sussurruído", "engenhingonça", "coraçãomente", "infinilhões", "homenzarrinho" e muitas outras. Essa língua só existia em seus livros. Adoniran Barbosa escreveu "Arnesto", "brabuleta", "pogréssio" e "nóis não semo tatu" porque fazia um tipo, um personagem. Não falava assim na vida real e não gostava quando parafraseavam suas letras, mesmo mantendo sua gramática particular.
Ferreira Gullar detonou a língua nos versos finais de "A Luta Corporal", ao escrever "Urr verõens/ Ôr/ Túfuns/ Lerr desvéslez várzens". Mas, nos anos seguintes, trouxe-a de volta aos cânones, para usá-la como ninguém. E João Cabral de Melo Neto, no poema "Uma Faca Só Lâmina", rimou "faca" com "bala" e "ávida" com "lâmina". Se lhe dissessem que essas palavras não rimam, ele diria que, nos poemas dele, rimavam, sim.
No fox-nonsense "Canção Pra Inglês Ver", Lamartine Babo misturou citações em português e inglês, resultando em "I love you/ Forget sclaine/ Maine Itapiru". E, antes dele, Juó Bananére já tinha feito paródias em dialeto ítalo-caipira de poemas conhecidos, tipo "Che bruta insgugliambaçó/ Che troça, che bringadêra/ Imbaixo das bananêra/ Na sombra dos bambuzá".
Rosa, Adoniran, Gullar, João Cabral, Lalá e Bananére não fizeram escola, nem esta era sua intenção. Continuaram únicos. Artistas podem e devem fugir da norma. Já os professores e linguistas têm de aderir a ela, como meros funcionários da língua que são.

Maria Cristina (Cris)

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